Edição 004 - “I’m just a girl”: a desculpa mais versátil que existe!
Girl math, desastres e desculpas: o preço de ser ‘just a girl’”
Tem dias que tudo dá errado. Você esquece a chave, paga boleto vencido, chora porque a internet caiu no meio da reunião. E ao invés de explicar, você só solta: “I’m just a girl.”
Pronto. Tá resolvido. Não precisa justificar. É a piada que virou senha. Um código de barras emocional que todo mundo escaneia e entende. Porque todo mundo já foi “just a girl” em algum momento.
A falha virou estética. A confusão, marca registrada. Ser “só uma garota” hoje é um mix de ironia, escapismo e identificação coletiva. Uma forma de dizer: não tô dando conta, mas tô me dando um desconto.
“I’m just a girl” virou soft skill
Não sei lidar com dinheiro? I’m just a girl.
Me perdi no meio de um planejamento simples? I’m just a girl.
Fiz uma compra impulsiva de R$ 300 num moletom rosa bebê? I’m just a girl.
E aí entra a girl math, essa espécie de truque mental onde a conta faz sentido só na cabeça da gente: “se eu devolver esse moletom na próxima semana, já é lucro”; ou “dividir o preço do sapato pelo número de vezes que vou usar faz com que ele custe quase nada”.
É o racional por trás do impulso. Um conforto que justifica pequenos prazeres cotidianos, mesmo que a fatura no final do mês diga outra coisa.
A frase virou uma resposta pra tudo que antes causava culpa, vergonha ou a sensação de incompetência. E, sim, tem algo de libertador nisso. É bom rir da própria bagunça. É bom não precisar performar perfeição o tempo todo.
Mas talvez seja aí que mora o porém.
Porque quando a gente se protege demais no humor, pode acabar reforçando exatamente o estereótipo que a gente queria evitar: o da mulher “confusa, frágil, impulsiva” mas fofa.
E não precisa ser tão sério, mas talvez valha uma reflexão
Ninguém tá pedindo pra você parar de usar o meme. Nem de rir da própria bagunça. Aliás, rir de si mesma é um baita sinal de inteligência emocional.
O ponto é: o quanto a gente tá usando esse “I’m just a girl” pra escapar da responsabilidade?
Quantas vezes você sabia que tava se enrolando — mas preferiu dizer que é “só uma garota” porque é mais fácil do que lidar com o desconforto de crescer?
Tem diversas cenas em Fleabag em que a personagem olha pra câmera, solta um riso nervoso e parece dizer: “sou um desastre, aceita aí”. Aquele caos estilizado, cheio de ironia e autossabotagem, é exatamente o espírito do “I’m just a girl”. Um escudo com glitter que diz: me deixa errar em paz.
E é exatamente nesse caos que essa estética floresce. Como se dissesse: eu desisto de atender todas essas demandas. E é compreensível. Mas se a gente não tomar cuidado, essa desistência pode virar conformismo.
“I’m just a girl” virou comunidade. E isso também é bonito
A piada cria abrigo. Cria tribo. Cria um jeito de dizer “eu também” sem precisar escrever um testamento.
Tem algo poderoso nisso. Principalmente num mundo em que ser mulher ainda vem acompanhado de cobrança, vigilância e autocensura. Se você diz que tá cansada, é drama. Se mostra insegurança, é fraca. Se desaba, é descontrolada. Então claro que a gente encontra refúgio numa frase leve, doce, quase infantil.
É um jeitinho de ser vulnerável sem se despir inteira. Um aceno de cumplicidade num mundo que exige dureza.
E tudo bem. De verdade. A gente precisa mesmo de espaços leves. Só não pode esquecer que leveza também exige intenção. E que às vezes, o meme que acolhe também pode limitar.
Ser só uma garota é… ser tudo, o tempo todo
A real é que você não é “só uma garota”.
Você é uma mulher que trabalha, estuda, sente culpa, ama errado, tenta se entender, muda de ideia. Uma mulher que erra muito, mas também acerta muito. Que sente medo, mas ainda assim vai.
Você pode ser doce e irritada. Insegura e genial. Caótica e absolutamente competente. Você pode gastar dinheiro com bobagem e ainda assim merecer uma promoção. Pode falhar no amor e acertar na vida. Pode chorar no metrô e depois apresentar uma ideia brilhante.
O “just” é mentira. Você é mais. Muito mais. E fingir que é menos, mesmo que por piada, às vezes, custa mais do que parece.
E você?
Quantas vezes usou o “I’m just a girl” pra rir — e quantas pra se esconder?
Quero te ouvir também!
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